quinta-feira, 10 de março de 2011

Zéfiro : Texto do programa

Segue abaixo o texto publicado no programa da peça OS CATECISMOS SEGUNDO CARLOS ZEFIRO. A montagem estreia hoje as 19:30 no teatro II do CCBB do Rio de Janeiro e permanece em curta temporada até o dia 10 de abril.

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“DEVAGAR, ZÉ… QUERO SENTIR ENTRAR TUDINHO”
(tem certeza que você quer ler o texto do diretor, ou prefere ficar apenas nas frases de sacanagem?)

Em um canto numa tarde com o ar frio de maio que corta Curitiba estava eu. Enquanto que a Clara do outro lado tentando se refrescar do calor carioca. Numa conversa por computador, falávamos de projetos futuros e ela veio com a pergunta: “Você conhece o Carlos Zéfiro?”. Explodi de animação e disse que não só conhecia como já tinha tido vontade de montar algo em teatro sobre ele. Pronto. Estava feito o pacto.

Veio um período de pesquisas, entrevistas, criação de texto, levantamento de produção, ensaios, montagem de cenário, crises existenciais e…

Espera… a coisa não é tão simples e fria assim. Faltam perguntas. A começar por...

Pra que serve isso? Quer dizer… pra que falar do Carlos Zéfiro?

“AI, ZÉ! JÁ GOZEI DUAS VEZES! COMO ESTÁ BOM!”
(Se alguém perguntar, você está lendo o texto “cabeça” aqui abaixo. Não essas barbaridades em letras grandes.)

Em poucas palavras, por que ele era um safado e safadeza é comigo mesmo e você está lendo isso porque gosta também de uma sacanagem. Não? Não se culpe. Olhe para o lado e diga com todas as letras: EU GOSTO DE UMA BOA SACANAGEM.

Se você se sentiu mal e não conseguiu falar isso em voz alta para a pessoa do lado, não se preocupe. Você também é normal. Talvez normal até demais.

Falar de sexo numa sociedade essencialmente católica é lidar com discursos tão ricamente contraditórios que fazem do debate algo deliciosamente dramático. O mistério, a culpa, a libertação e a descoberta. São caminhos percorridos por qualquer pessoa que se preza. Essa peça é dedicada a quem não teme punição divina… mas principalmente a quem a teme.

“ASSIM VOU ACABAR TUBERCULOSO. NÃO HÁ PAU QUE AGUENTE TANTA FODA. PUXA!”
(Vai me dizer que você começou a ler o texto do tal diretor? Sério? Bom, você que sabe da sua vida.)

Meus princípios como artista vem dos ensinamentos de meus mestres e ídolos. “Dizer o que não se diz. Mostrar o que não se mostra”, me ensinou David Cronenberg. Eis então um estímulo a falar sem medo de uma boa bronha e a revelar as deliciosas garotas do catecismo zeferiano. Não apenas mostrar isso, como encontrar a forma de exposição mais que adequada. Instigante. Como em uma investigação policial ou em uma missão secreta. Essa brincadeira de garoto que está ainda começando os ensinamentos da vida. Num momento brinca de mocinho e bandido e em outro usa uma desculpa furada pra ficar mais uns minutos trancado no banheiro. É uma outra brincadeira: de amiga invisível, mas agora a amiga tem uma forma específica e ela é magistralmente escultural no traço do Carlos Zéfiro.

Esse homem, que se escondia nas madrugadas produzindo revistas de sacanagem entre os anos 50 e 70, inaugurou um mercado (em sua época ilegal - o que deixava tudo ainda mais interessante) que foi seguido pelas revistas masculinas com tarjas pretas nas portas de bancas, pelas fitas VHS na sala especial da locadora e hoje está aí sem mistérios na internet. Mas lá pelos idos de 1960, internet não era nem um sonho. E a matéria que faz os sonhos dos adolescentes estava impressa em papel jornal nas revistinhas de 32 páginas carinhosamente chamadas de catecismos. O nome devia-se não apenas pela aparência de um livreto religioso, mas principalmente pela função … bem… educativa não é a palavra, mas vamos ficar com ela.

Os tempos são outros e - embora a nostalgia sempre nos alimente - o “perigo” do sexo ainda existe. Não só pela culpa cristã, mas também pelo simples fato de que… sexo é complicado.

“PROCURO CARNE, MEU AMOR. CARNE QUENTE, MACIA E CHEIROSA COMO A TUA.”
(Se você leu o texto do diretor até aqui então termine agora. Falta pouco.)

E aqui está a trajetória deste homem misterioso. Um verdadeiro James Bond cristão-tupiniquim: com o terno de linho impecável, chapéu panamá, um homem sedutor sempre cercado de mulheres, envolto em segredos proibidos, parceiro de figuras célebres… que depois voltava para o seu lar e sua esposa amada num subúrbio do Rio de Janeiro. Na manhã seguinte acordava cedo e ia até a repartição pública onde se fantasiava de ‘pessoa normal’ - como Clark Kent - para depois, às 17h, bater o ponto e recomeçar sua jornada de herói.

Em cena - e proposto pelo texto - expõem-se: o jogo da(o) amiga(o) invisível, a aventura de espião, a brincadeira de mistério, a culpa-cristã/condição-freudiana imposta pela mãe que grita pra gente sair do banheiro interrompendo tudo isso, mas em especial a diversão e o grande barato que é curtir uma sacanagem zeferiana. Apreciar (é essa a palavra certa?) a beleza da mulher que se esconde nas páginas de um livrinho com apelido religioso.

Então agora relaxe, entre no jogo e curta. Ou melhor, nas sábias palavras de Carlos Zéfiro:

“Esqueçamos tudo e vamos gozar”

Paulo Biscaia Filho
(escrito em um ‘cativeiro artístico’ em São Conrado, Rio de Janeiro, Fevereiro e Março de 2011)

“ESTÁ BEM ASSIM? É GOSTOSO? QUER MAIS?”
(Ih, tem essa chatice de dedicatória abaixo. Melhor voltar para a parte da sacanagem.)


P.s.: Obrigado Clara por ter me empurrado pra dentro desse universo de Carlos Zéfiro. Obrigado ao Dani, Mari, Jandir, Martina, Marino e Rafa por se prestarem a dizer essas deliciosas semvergonhices. Grato a equipe que soube ser safadinha.



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We gonna raise, trouble, We gonna raise, hell.


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