sábado, 23 de junho de 2007

"It's not the years, honey, it's the mileage."

Eu tinha 12 anos. Era Março e eu saí da escola e fui almoçar na casa da minha tia Didi para depois ir direto ao cine Bristol que era ali perto. Sim, eu já começava a conquistar meu espaço de liberdade. Já tinha feito isso antes para ver a reprise de Os Canhões de San Sebastian. Um filme muito ruim por sinal. Caçadores da  Arca Perdida já tinha ganho seus 5 oscars técnicos e eu só não tinha visto ainda porque minha idade me impedia de furar a a censura 14 anos quando o filme estava em cartaz no Cine Condor. Mas agora, em sua reprise no Bristol, a coisa era diferente. Eles não eram tão rígidos com o controle da idade e seriam menos ainda na primeira sessão da tarde. Era esse o meu plano maligno e naturalmente deu certo. Entrei no cinema sem ser questionado sobre a adequação de minha idade em relação às cenas violentas do filme. Fico imaginando se eles tivessem me barrado. Tudo seria diferente. Eu provavelmente estaria olhando para minha carteirinha da OAB ou algo que o valha. 
O filme começou. Meu juvenil interesse por egiptologia aliado ao natural culto a criações de George Lucas(socialmente obrigatório para garotos da minha idade) já antecipavam algum frisson pelo  que estava por vir, mas nada era forte o suficiente. 
"SNAKES, WHY DID IT HAVE TO BE SNAKES?" 
Indiana Jones tornou-se uma obsessão. Vi o filme outras dez vezes só naquele cinema. Mais uma naquele ano quando fui com meu pai a Nova York e o filme estava passando no Ziegfeld Theatre(ou seria theater?).vi mais uma vez e ouvi coisas que eu nunca tinha ouvido antes(foi meu primeiro contato com um cinema com bom sistema de som). No meio da viagem, encntramos um VHS com um making of do Raiders of The Lost Ark. na ausência do próprio filme pra poder levar pra casa, pedi o vídeo de presente juntamente com um poster que hoje est´apendurado no meu escritório. Vi o making of mais vezes que o filme e uma seqüência me chamou particularmente a atenção: Spielberg dirigia Karen Allen na cena do campeonato de quem toma mais pinga no Nepal. Ele dizia a ela "Eu não quero perder o seu rosto em nenhum instante" e ainda dava mais algumas instruções sobre a postura da mão no ato vitorioso de engolir a pinga. Logo depois mostravam a cena completa e finalizada do filme.Ali eu vi o que significava direção e minha vida mudou pra sempre. 
Alguns anos mais tarde, vi no Cine Condor "Indiana Jones e a Última Cruzada". Àquelas alturas ir ao cinema jea era como ir a igreja. Como Indy como pastor a coisa sempre ficava mais séria, pois ele era o responsável pela minha conversão. Nos créditos finais, com os cavalos marchando contra o por do sol, derramei algumas lágrimas pensando que aquele seria o último sermão do Pastor Indiana. 
E agora, ainda outros anos depois - não importa dizer quantos - cá está ele em sua primeira foto oficial do novo filme. Algumas boas rugas a mais, mas o chapéu stetson e a camisa cáqui permanecem.
Ele mudou um pouquinho só. Eu creio que mudei muito mais. Pra melhor e pra pior. 
Numa quinta feira dessas, ainda pego uma sessão das 14h e vejo um filme pra mudar a minha vida mais uma vez. Talvez em 2008 quando Indy IV estrear. 

quarta-feira, 6 de junho de 2007

These are not Dolls... These are ACTION FIGURES!!!


Top shelf. Highest grades. Os melhores heróis de todos os tempos finalmente juntos. Isso sim é crossover.

i think...



"I think I'm gonna cry, but I'm gonna laugh about it all the time
I know I'm gonna cry, but I'm gonna laugh about it all the time"
Shopping Tolley, Beth Orton

imagem: Gene Hackman em The Royal Tenenbaums, filme que me mata cada vez que vejo. Tenho que escrever sobre ele ainda, mas a melancolia causada por uma nostalgia me impede de encontrar algo de racional a ser escrito. Talvez amanhã.

domingo, 3 de junho de 2007

Salve Santo Alfred!


Vamos rezar dez "Ave Grace Kellys", vinte "James Stewart Nosso" e quarenta "Salve Santo Alfred" nesta celebração de graças pela obra de David Fincher, "Zodiaco".
Esse camarada David é um sujeito muito bacana. Tinha tudo pra virar um Joel Schumacher da vida, mas permaneceu plenamente íntegro. Briguei por um bom tempo dizendo que "Alien 3" era melhor que "Aliens", depois veio "Seven" e o nome dele começou a ser cultuado. Com "Fight Club" ele voltou a ser maneirista, mas com um argumento que me fez tatuar o braço direito ele tinha desculpa pra fazer o que quisesse. O "Quarto do Pânico" foi um ótimo "curta metragem de duas horas" onde ele explicitamente (basta ver os créditos de abertura) contemplou o evangelho de Santo Alfred Hitchcock e entrou de vez para sua congregação.
"Zodíaco" era pra mim um dos filmes mais aguardados dos últimos tempos. Afinal, o diretor de Zeven estava retornando ao tema de assassinos seriais contando uma história ótima dos anais policiais americanos. O filme estreou nos EUA e recebeu boas críticas, mas sem muito alarde. Em Cannes foi a mesma coisa. Agora chegou a mim e eu digo que não é pra ficar quieto não! É o melhor filme que vejo no cinema desde O Labirinto do Fauno(que aliás comprei o dvd anteontem).
Vamos ao questionário:
Pergunta 1
- tem cenas que mostram sofisticação e crueldade nos assassinatos?
resposta: Não.
Pergunta 2
- tem cenas de ação e perseguição ao assassino com aquela musiquinha tradicional de percussão? Com edição rápida que quase não deixa nos ver o que está acontendo?
resposta: Não
Pergunta 3
- Tem interpretações de atores famosos dignas de Oscar?
resposta: Não, mas são interpretações geniais que jamais chegarão à compreensão da Academia.
Porra, o que é que tem então de tão maravilhoso nesse filme?!!!
Resposta: CINEMA! INVENÇÃO! ARTE!
As perguntas anteriores eu me fiz lá pela metade do filme e questionei como é que eu estava tão preso por aquela longa narrativa que parecia não ir a lugar nenhum. Quando terminou o filme, eu, em estado de graça, cntinuei tentando processar o que havia acontecido. Voltemos então a Hitchcock em sua estrutura tradicional narrativa: Ele faz com que o público saiba de algo que o protagonista não sabe e usa isso na construção da tensão. Hitchcock sempre manipulou as possibilidades de cumplicidade com a platéia. Fincher aprende isso direitinho e leva às últimas conseqüências. "Zodíaco" tem um "quase protagonista", mas que não dá pra dizer que é o "herói", que pra piorar não tem nenhum carisma (e não é pra ter mesmo), mas o filme faz com que companhemos tudo, tentando desvendar os mistérios e as pistas falsas colocadas seguidamente na narrativa. Nos flagramos no final do filme como detetives tão confusos quanto os da polícia de São Francisco. Resultado: HÁ SIM UM PROTAGONISTA EM "ZODIACO"! É O PRÓPRIO PÚBLICO!! O diretor nos faz sentir cúmplices, obsessivos, curiosos e testemunhas culposas de tudo o que acontece. Nós somos o principal detetive desta história, mas sem o compromisso bobo do "whodunnit?"(estrutura clássica que tem como resposta tradicional: "foi o mordomo"). Zodíaco não fala de assassinatos nem de crimes... não. Isso seria muito fácil. Ele fala de ações e reações humanas. Nenhuma delas muito digna, mas mesmo assim...humanas. E cada um dos atores deste elenco - que eu quero pra mim - contribui neste painel: Jake "Donnie Darko" Gyllenhall faz o cartunista bobão obcecado pela história do Zodíaco, Mark Ruffallo(um dos melhores atores da atualidade) o policial que vai... ah, eu não vou ficar descrevendo personagens aqui, não seria digno fazer isso para este filme, mas tenho que dizer que o elenco ainda tem: Robert Downey jr., Elias Koteas (Crash, do Cronenberg, please!), Chloe Sevigny e Anthony Edwards (daquele filme "Gotcha - uma arma do barulho", lembra? Se não lembra dá uma "googada" que vale a pena relembrar esta pérola dos anos 80)
Esse envolvimento por quase três horas (e eu não achei nenhuma brecha pra ir ao banheiro), a ausência da sedução por truques baratos, uma narrativa pela narrativa com resultados assutadoramente geniais faz de "Zodíaco" o melhor filme que vi este ano. Temos alguns meses pela frente, então espero que surjam outros ainda melhores, mas estou certo que com relação a linguagem narrativa, vai ser páreo duro.

sábado, 2 de junho de 2007

Espiar e Expiar


Gazeta do Povo, 02 de junho de 2007

PENSATA publicado na edição impressa de 02/06/2007

A arte se alimenta das falhas humanas
por PAULO BISCAIA FILHO*

Dez anos atrás, quando fizemos PeeP – Através dos Olhos de um Serial Killer (montagem de estréia da Vigor Mortis), escolhi o tema de assassinos seriais como uma ferramenta dramatúrgica ao Grand Guignol, a linguagem que leva o nome do famoso teatro de horror de Paris que criou pesadelos para as platéias da década de 20. Os medos possíveis no início do século vinte eram completamente diferentes dos medos de hoje. Vieram a Segunda Guerra e a Guerra Fria e as manifestações de medo e violência mudaram radicalmente os sentimentos de pavor de todo o mundo. Não que antes não houvesse maníacos assassinos, claro. Podem-se contar as barbáries de Elisabeth Bathory ou a casa de horrores de H.H. Holmes ou mesmo a pavorosa carta do lunático Albert Fish, na qual ele relatava com alguma poesia como matou e devorou uma menina de nove anos, com o detalhe que a carta foi enviada à mãe da garotinha. Isso sem falar em Febrônio Índio do Brasil, mas esse brasileiro, primeiro interno do Pinel, que matou diversas vítimas na década de 20, merece um texto à parte.

O medo grandguignolesque estava agora, portanto, não mais nos distantes campos de batalha ou em fantasias sobrenaturais. O grande terror estava na casa vizinha. Nos anos 50, um certo Ed Gein veio às manchetes de todos os jornais americanos e posteriormente motivou a criação de uma série de obras marcantes como Psicose, O Silêncio dos Inocentes, O Massacre da Serra Elétrica e alguns outros filmes e livros que usaram os atos de Gein como base para suas narrativas.

O que Gein fez foi lançar um terremoto na imagem de paz suburbana norte-americana. Sua comunidade no meio de Wisconsin, repleta de tortas de maçã e vizinhos sorridentes, considerava Gein um sujeito estranho, mas muito simpático. Até que foi descoberto em sua casa o cadáver de uma mulher, decapitado e pendurado de cabeça para baixo com as pernas abertas e um corte que ia da vagina ao esterno. Além disso, foram encontrados ali acessórios e vestimentas feitos com pele e ossos humanos que Gein ou arrancava de suas vítimas (oficialmente “apenas” duas) ou das dezenas de corpos que ele desenterrou do cemitério. Gein, um filho obcecado pela mãe, estava tentando se tornar ela mesma.

O que nos fascina nesses atos tenebrosos é ver o homem ultrapassando limites que julgamos moralmente intransponíveis. Quando o gângster de Chazz PalmIntieri em Tiros sobre a Broadway, de Woody Allen, é questionado por John Cusack sobre a imoralidade do fato de ter dado um tiro numa atriz só por que ela era ruim, o capanga responde: “O verdadeiro artista não tem moral!”. O assassino também não tem. Essa quebra de valores assusta, mas é socialmente necessária. Seria melhor que fosse apenas pela arte, mas a humanidade é muito mais rica e cruel do que qualquer obra de Pollock poderia criar. Aliás, a arte só consegue existir se puder se alimentar das falhas humanas.

Gein era o narrador/protagonista de PeeP, interpretado magistralmente na época pelo meu colega de 10 anos de companhia leandrodanielcolombo. Ele representava o homem aparentemente comum que entra em um furacão de valores sobre o olhar ao outro e ao mundo. No caminho de Gein, imagens e textos de outros assassinos tanto ou mais cruéis do que ele: Myra Hindley (que gravava o som de suas vítimas durante a tortura antes da morte), John Wayne Gacy (um comerciante e palhaço em festas beneficentes que guardava os corpos de suas vítimas sob o piso de sua casa), Jeffrey Dahmer (um solitário que matava homens e guardava partes de seus corpos em casa para lhe “fazer companhia”), entre outros. PeeP era uma viagem pelo inconsciente coletivo de mentes perturbadas. Um pesadelo dos bons valores em um redemoinho de mortes. Uma série de manifestações radicais de sentimentos humanos sendo expiados por atos monstruosos.

Este título, Peep, vem do inglês “espiar”, “dar uma espiadela”, como se faz em cabines de peep show. Um breve olhar sobre um universo de transgressões morais, sociais e sexuais que contemplamos apenas a distância. É como passar ao lado de um acidente de carro. Não queremos olhar, mas não agüentamos e damos uma olhada para satisfazer nossos desejos escondidos e nossa curiosidade sobre realidades distantes de nós, ou que pelo menos desejamos que permaneçam distantes. Estes filmes e peças são ambientes de pesadelo controlados. Um trem-fantasma aonde vamos experimentar um pouco de masoquismo, um pouco de sadismo e um pouco do que sabemos que jamais seremos capazes de fazer. Essa fascinação é eterna. Experimentamos – artistas e público – a fascinação por atos impensáveis. A visita “turística” a estes espaços ajuda até mesmo a manter nosso equilíbrio emocional se a obra sabe discutir o assunto adequadamente. Todos precisam desse equilíbrio. É por isso que matamos pessoas na Vigor Mortis diariamente. No palco, é claro!!!

* Professor da Faculdade de Artes do Paraná e diretor da Vigor Mortis, companhia teatral produtora de Morgue Story, Graphic, Garotas Vampiras Nunca Bebem Vinho, entre outras.