domingo, 3 de junho de 2007

Salve Santo Alfred!


Vamos rezar dez "Ave Grace Kellys", vinte "James Stewart Nosso" e quarenta "Salve Santo Alfred" nesta celebração de graças pela obra de David Fincher, "Zodiaco".
Esse camarada David é um sujeito muito bacana. Tinha tudo pra virar um Joel Schumacher da vida, mas permaneceu plenamente íntegro. Briguei por um bom tempo dizendo que "Alien 3" era melhor que "Aliens", depois veio "Seven" e o nome dele começou a ser cultuado. Com "Fight Club" ele voltou a ser maneirista, mas com um argumento que me fez tatuar o braço direito ele tinha desculpa pra fazer o que quisesse. O "Quarto do Pânico" foi um ótimo "curta metragem de duas horas" onde ele explicitamente (basta ver os créditos de abertura) contemplou o evangelho de Santo Alfred Hitchcock e entrou de vez para sua congregação.
"Zodíaco" era pra mim um dos filmes mais aguardados dos últimos tempos. Afinal, o diretor de Zeven estava retornando ao tema de assassinos seriais contando uma história ótima dos anais policiais americanos. O filme estreou nos EUA e recebeu boas críticas, mas sem muito alarde. Em Cannes foi a mesma coisa. Agora chegou a mim e eu digo que não é pra ficar quieto não! É o melhor filme que vejo no cinema desde O Labirinto do Fauno(que aliás comprei o dvd anteontem).
Vamos ao questionário:
Pergunta 1
- tem cenas que mostram sofisticação e crueldade nos assassinatos?
resposta: Não.
Pergunta 2
- tem cenas de ação e perseguição ao assassino com aquela musiquinha tradicional de percussão? Com edição rápida que quase não deixa nos ver o que está acontendo?
resposta: Não
Pergunta 3
- Tem interpretações de atores famosos dignas de Oscar?
resposta: Não, mas são interpretações geniais que jamais chegarão à compreensão da Academia.
Porra, o que é que tem então de tão maravilhoso nesse filme?!!!
Resposta: CINEMA! INVENÇÃO! ARTE!
As perguntas anteriores eu me fiz lá pela metade do filme e questionei como é que eu estava tão preso por aquela longa narrativa que parecia não ir a lugar nenhum. Quando terminou o filme, eu, em estado de graça, cntinuei tentando processar o que havia acontecido. Voltemos então a Hitchcock em sua estrutura tradicional narrativa: Ele faz com que o público saiba de algo que o protagonista não sabe e usa isso na construção da tensão. Hitchcock sempre manipulou as possibilidades de cumplicidade com a platéia. Fincher aprende isso direitinho e leva às últimas conseqüências. "Zodíaco" tem um "quase protagonista", mas que não dá pra dizer que é o "herói", que pra piorar não tem nenhum carisma (e não é pra ter mesmo), mas o filme faz com que companhemos tudo, tentando desvendar os mistérios e as pistas falsas colocadas seguidamente na narrativa. Nos flagramos no final do filme como detetives tão confusos quanto os da polícia de São Francisco. Resultado: HÁ SIM UM PROTAGONISTA EM "ZODIACO"! É O PRÓPRIO PÚBLICO!! O diretor nos faz sentir cúmplices, obsessivos, curiosos e testemunhas culposas de tudo o que acontece. Nós somos o principal detetive desta história, mas sem o compromisso bobo do "whodunnit?"(estrutura clássica que tem como resposta tradicional: "foi o mordomo"). Zodíaco não fala de assassinatos nem de crimes... não. Isso seria muito fácil. Ele fala de ações e reações humanas. Nenhuma delas muito digna, mas mesmo assim...humanas. E cada um dos atores deste elenco - que eu quero pra mim - contribui neste painel: Jake "Donnie Darko" Gyllenhall faz o cartunista bobão obcecado pela história do Zodíaco, Mark Ruffallo(um dos melhores atores da atualidade) o policial que vai... ah, eu não vou ficar descrevendo personagens aqui, não seria digno fazer isso para este filme, mas tenho que dizer que o elenco ainda tem: Robert Downey jr., Elias Koteas (Crash, do Cronenberg, please!), Chloe Sevigny e Anthony Edwards (daquele filme "Gotcha - uma arma do barulho", lembra? Se não lembra dá uma "googada" que vale a pena relembrar esta pérola dos anos 80)
Esse envolvimento por quase três horas (e eu não achei nenhuma brecha pra ir ao banheiro), a ausência da sedução por truques baratos, uma narrativa pela narrativa com resultados assutadoramente geniais faz de "Zodíaco" o melhor filme que vi este ano. Temos alguns meses pela frente, então espero que surjam outros ainda melhores, mas estou certo que com relação a linguagem narrativa, vai ser páreo duro.

3 comentários:

aitel disse...

e tem o dermot mulroney, irreconhecível de bão! valeu a pena esperar, mon ami.

Rogério Roger disse...

Além de encontrar várias "brechas" para ir ao banheiro, eu fui e não perdi nada. Filme não leva a lugar nenhum. A cena inicial é interessante.

Vigor Mortis disse...

OK... diz o ditado: cada um chora no filme que tá afim.