domingo, 9 de setembro de 2007

Paranóias e Fantasias

a fantasia do fauno
a paranóia de friedkin

Todo ano no meu aniversário tento "me dar" uma sessão de cinema à tarde. Ver um filme à tarde é sensacional, mas é justamente a raridade do evento que transforma a experiência em algo especial. 
Este ano aconteceu uma pequena coincidência. Fui ver "Possuídos"(Bug), com direção do William Friedkin(Sim, o diretor do Exorcista himself!) que curiosamente festeja seu aniversário no mesmo dia que eu. Bem, frescuras à parte, o filme pode não ser um dos melhores dos últimos anos, mas traz um ambiente extremamente perturbador e algumas questões interessantes sobre o problemático instinto de sobrevivência social do ser humano. 
Ashley Judd (que sempre fez papel de bonitona, mas que aqui se embagaçou feio à propos do roteiro) é uma mulher solitária que trabalha como garçonete num bar de lésbicas enquanto tenta esquecer do seu marido na cadeia e do desaparecimento de seu filho. Michael Shannon(um excelente ator de teatro que repete aqui o mesmo papel que representou no palco) é um homem tímido e misterioso que aparece na vida da personagem de Judd sem aparentemente nenhum interesse passional ou sexual, mas que, ao longo do filme confessa ser um desertor da guerra do iraque com fortes traumas de guerra. Ele imagina que tem insetos sob sua pele, comendo seu corpo e mandando informações ao governo num absurdo exercício de teoria da conspiração. Sua fé cega nestes insetos invisíveis torna-se central em sua vida e Judd, para não se sentir só, começa a crer também na existência dos bichinhos. 
Quando duas pessoas se envolvem, cria-se uma nova realidade entre elas e somos capazes de acreditar em qualquer coisa, mesmo que seja numa paranóia desmedida, só para não ficarmos sozinhos. Temos que ser loucos para pertencer.
Que maldito bichinho aciona este mecanismo de segurança que é capaz de nos levar até a autodestruição feito a Nostromo. 
Algo semelhante acontece no meu filme favorito de 2006, a obra-prima O Labirinto do Fauno, de Guillermo del Toro. A menina Ofelia se vê impelida a acreditar num mundo de fantasia povoado por reis, faunos e fadas afim de escapar de sua tenebrosa vida real em meio a um padrasto-militar-franquista-sociopata-misógeno (um dos melhores bandidos de todos os tempos, cortesia da magnífica interpretação de Sergi Lopez). Ela busca a sua loucura para não pertencer, ou melhor para pertencer a algo que tenha a visão de mundo de sua inocência, violentada a cada segundo com tragédias consecutivas. 
Criamos paranóias, fantasias e delírios para tentar encontrar algum centro. Saímos do centro para tentar encontrar nosso próprio eixo.
É como o homem do corvo de Edgar Allan Poe, que sabe perfeitamente que o corvo não quer dizer e nem sabe o significado de 'nevermore', mas mesmo assim quer acreditar piamente na intenção do animal para poder justificar sua dor.
"And the raven, never flitting, still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming of a demon's that is dreaming.
And the lamplight o'er him streaming throws his shadow on the floor;
And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
Shall be lifted--- nevermore!"

Isso nunca vai mudar. Tomara! São essas loucuras que, embora socialmente nefastas, fazem do ser humano uma contínua fonte de inspiração artística. Todos fazemos isso. Em escala maior ou menor, mas fazemos. Resta saber os limites de nossas loucuras e vôos da mente nas asas negras de um corvo imaginário. 

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