domingo, 20 de maio de 2007

to G.

Uma consideração aos sonhos despertos. Sonhos que tive ontem criados por aquele que talvez seja o maior self-exorcist de todos. Sem exagero. Aqui vai um longo telegrama a ele:
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G,

Stanley Kubrick recebeu um telegrama de um outro cineasta - não me lembro exatamente quem, acho que era o Zefirelli - que comentou sobre sua experiência ao ver "2001 - A Space Odyssey" em uma frase: "You made me dream eyes wide open". Sem nenhum trocadilho com o canto do cisne(já vou falar de cisnes de novo) do Kubrick, foi exatamente esta a sensação que tive ontem ao ver "Terra em Trânsito/Queen Liar".

Não via uma peça da Dry Opera desde "Coro e Camarim" e "Ventriloquist" e foi genial ter reencontro de amigos. Aliás, é exatamente isso a experiência com "Terra em trânsito", primeira parte do programa. É a tua voz, mas pela voz e corpo da Fabi. Fato que em si já é impressionante. Vê-la em cena nos causa uma das impressões mais maravilhosas do teatro: estar ali vendo aquela performance brilhante ao vivo em uma sala com pouco mais de 100 pessoas. Nos dá a idéia de raridade. De que nós do público somos realmente privilegiados por estarmos ali presenciando o trabalho aqui-agora de uma atriz que encontra verdade plena em cada gesto e palavra. Vamos admitir. O texto oferecido aos atores não é dos mais gentis. Um ataque verborrágico que etá mais para uma crônica - com a fúria de artaud e as referências de um Bloom - do que para texto de teatro. E até seria um texto duro e literário, não soubesse o autor que ele iria para a boca da Fabi e ela consegue dar verdade dramática a cada vígula. Verdade mesmo, i.e.: a verdade humana da palavra.

Com essa sonoridade e drama estabelecidos, o que resta é apreciar as palavra com ainda mais sabor. Ri muito com as brincadeiras feitas com Sarah Kane, Harold Pinter e Bruno Ganz. Um riso do humor de trocadilhos.. de Monty Python... de Gerald Thomas.

O espetáculo segue e a platéia está continuamente tentando desvendar os signos em cena. Até que no final, surge um texto que manda essas leituras semióticas à merda. Claro que é uma provocação. Mas um "Parem de ficar tentando ler símbolos e signos e comecem a ver a peça!!!"(não com essas palavras) é jogado no público. Ele está certo. Devemos indubitavelmente saber se estamos grávidos de Tony Blair, mas devemos antes de qualquer coisa estar abertos a arte ali presente.

Poderia ficar outras dez páginas falando sobre o Cisne judeu com o fígado prometido a Strasbourg e sua cabeça fadada ao lixo, mas tenho que seguir ao "Rainha Mentira"

Muitos críticos e conhecdos me advertiram sobre esta ser "menor que a "Terra.."" .
Menor é o caraleo !!!
Gerald, você agora é a sua própria diva wagneriana com sua voz dublada por todos os atores/personagens. Se antes ouvia a tua voz pela voz da Fabi, agora estava explícito como numa opera seca direta ao público.
E que cenas lindas! A queima-de-livros-nazista/WTC-waiting-to-comedown é uma imagem que jamais sairá da minha mente. Mas não é so isso. Como sempre, Gerald, você se expõe. Essa é a tua arte. Sempre foi esse o caminho e você está escolhendo novas maneiras de percorrê-lo. Nunca se deixa levar pelo mais confortável. Sempre se coloca à beira de um abismo sem ter asas nem cordas... apenas confiando que a queda não será mortal, apenas muito, muito dolorida.

Lembro com muito carinho das converas que tivemos comendo um cachorro quente do Au-Au. E lembro com agradecimento da tua ligação de NY quando meu pai morreu. Ontem eu tive a impressão de estar lá conversando, rindo e discutindo contigo e depois te fazendo uma ligação que nunca fiz na hora certa pra poder te retribuir o carinho.

Ao final de "Rainha Mentira" eu estava aos prantos. E não é só pelos motivos acima. A razão principal é essa: Diretores surgem e desaparecem como a moda dita e a obra de Gerald Thomas nunca deixará de ser pertinente (fazendo uma referência ao Cisne) por que ela pode parecer a alguns absurda, desconexa e hermética, MAS NÃO É!!! É acima de tudo HUMANA!!!! Mais humana do que pelo menos 90% do teatro que se produz hoje. Tua expressão, Gerald, vibra aos corações e às mentes feito diapasão. Isso se faz com idéias e emoções vivas e você as tem como muitidões dentro de si. É por isso que quando você é um encenador de si mesmo, está encenando também a toda a humanidade.

Vou parar de escrever que se eu lembrar mais vou fazer papelão aqui e voltar a chorar.

Obrigado Fabi pelo convite e um obrigado ainda maior pela tua verdade de atriz.

Obrigado Gerald. Quando trabalhei contigo tive um time of my life. I've moved on quite a bit since. Desde então achei minha própria voz, mas só pude fazer isso depois de muito ouvir a tua e depois ainda tirá-la de mim. Ontem te ouvi de novo. Estava com saudades disso. Já estou com saudades de volta.

LOVE.

P.